quinta-feira, 22 de abril de 2010

Crônica: Brasília, Um equívoco Caro





Imagens (charges) capturadas na Internet (Google)



Hoje, lendo o jornal O GLOBO, pela manhã, antes de ir à clínica, pois não consegui dormir direito, à noite, em razão do meu estado (gripe), li a crônica de Carlos Alberto Sardenberg acerca da construção de Brasília.

Achei maravilhosa e cabível para postar neste meu espaço, compartilhando com todos, pois a sua análise crítica enfatiza os pontos destacados como principais motivos para a transferência da capital do Brasil, localizada na região Sudeste (cidade do Rio de Janeiro, 1763-1960) para o Planalto Central, no chamado “coração do Brasil”.

Em seu texto, o autor realça os excessos com os gastos do dinheiro público (sem falar dos empréstimos realizados...), inclusive em face de necessidade premente de outros investimentos na época; a atual vocação econômica da região Centro-Oeste baseada no setor agrário, sob o sistema plantation, principalmente, no que diz respeito ao cultivo da soja em latifúndios em resposta aos argumentos econômicos empregados como justificativas para a criação da capital.

E, mais ainda, a cultura do empreguismo de “favor” e das mudanças de setores entre as repartições, sobretudo, dos cargos de confiança autorizados por indicação. Na troca de governo “é quase impossível demitir o pessoal da administração anterior”.

É aquele antigo hábito dos nossos políticos regidos pelo chamado “rabo preso”...

Muito bom. Vale a pena ler!



BRASÍLIA, UM EQUÍVOCO CARO

Carlos Alberto Sardenberg


Esclarecimento: morei duas vezes em Brasília, gostei, meus filhos apreciaram, formamos amizades para sempre. Nada pessoal, portanto, mas Brasília é um equívoco. Nenhuma das razões que justificaram sua construção era sustentável.

Segurança, por exemplo. Na região central do país, a capital estaria mais protegida de ataques militares estrangeiros. Hoje, obviamente, com os mísseis e aviões, não faz o menor sentido. Na época, isso era previsível. Mesmo que não fosse, o principal "inimigo potencial" do Brasil, na concepção militar, era a Argentina — e nesse caso a localização de Brasília não fazia muita diferença.

Além disso, tirante a imaginação dos militares brasileiros e argentinos, convenhamos que a possibilidade de guerra era remota.

A capital levaria desenvolvimento para a região central do país. Falso.

Como uma cidade pequena e sem indústrias, como era previsto, poderia impulsionar o crescimento de uma área tão ampla e tão desabitada? A rica situação atual do Centro-Oeste deve-se à expansão da fronteira agrícola e às novas tecnologias do agronegócio, que tornaram produtivas principalmente as terras do cerrado. Isso teria acontecido sem Brasília, consequência normal do esgotamento da agricultura no Sul e no Sudeste.

Dizia-se ainda que a concentração da administração pública em um único local, mais ou menos isolado e protegido das pressões populares, daria mais tranquilidade e eficiência ao governo. Falso de novo.

A única eficácia que resultou disso foi uma cultura de defesa e promoção dos funcionários públicos, incluindo a prática da isonomia, pela qual benefícios e vantagens vão sendo transmitidos em cadeia pelas diversas repartições.

Um novo governo consegue nomear a sua turma para os cargos de confiança. Mas é quase impossível demitir o pessoal da administração anterior. Em jogo de auxílio mútuo, as pessoas vão sendo acomodadas pelos inúmeros cargos à disposição — e esse é um efeito direto da concentração dos órgãos e proximidade entre os colegas. Ficar — essa é a arte de cada troca de governo em Brasília.

A situação já estava assim delineada quando a Constituição de 88 completou o equívoco. Concedeu autonomia política ao Distrito Federal e uma generosa e paternal dependência econômica. A União ficou responsável pelas despesas de segurança, educação e saúde, sendo que as transferências para o DF são automáticas.

A receita tributária federal cresceu muito da Constituição para cá, de modo que o governo de Brasília recebe um dinheirão de graça. Por que os funcionários do DF ganham bem e seus policiais são os mais bem pagos do país? Ora, porque seus governantes simplesmente podem topar os aumentos e mandar a conta para a União. Fazem a distribuição dos benefícios com o dinheiro dos contribuintes do país inteiro e arrecadam votos.

Em 1957, o então presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, antecipou o problema básico de uma capital isolada: "Sem vigilância ou apenas vigiados de longe, governantes e legisladores irão pensar de preferência em si mesmos, nos seus bons negócios, em tirar rapidamente o máximo de vantagens do seu exílio no deserto." A ida para o deserto já trazia vantagens.

Funcionários só aceitavam a transferência para a nova capital com vantagens salariais e de carreira.

Resultado: hoje, a cidade, sem outra força econômica além dos contracheques distribuídos pelo governo, tem a maior renda per capita do país. Sem que isso tenha qualquer relação com a eficiência do governo.

Dizem que só a construção da capital já representou um forte impulso ao crescimento econômico. É verdade que a construção civil puxa a expansão.

Mas o efeito seria o mesmo se o dinheiro público fosse aplicado em ferrovias e portos, por exemplo.

Além disso, a pressa de JK levou a desperdícios e preços elevados.

Tudo considerado, Brasília foi um programa de governo, destinado a eleger JK cinco anos depois da inauguração, e que deixou um imenso ônus para o país. Foi tão insensato quanto seria hoje levar a capital para o Norte, para proteger e desenvolver a Amazônia.

Sem contar o maior pecado: ter iniciado o processo de destruição do Rio de Janeiro.

Jornal O GLOBO, 22 de abril de 2010, página 6

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